domingo, 6 de abril de 2014

"Mais 15 minutos de vida", a senhora esvaziou os pulmões e pensou. "Se eu tivesse mais 15 minutos de vida, continuaria apenas respirando, pesadamente respirando". Mirou o vidro da porta do trem e pensou enxergar outra pessoa, pensou ser uma brincadeira, um sonho daqueles que há muito tempo não mais tinha o costume de lembrar. "A velhice é uma brincadeira de gosto amargo".

"A sorte é não ter alguém que me cuide. Todos já se foram há muitos anos e ficou só eu, sozinha e mais frágil". Ela sentia um pesar no estômago quando se imaginava gentil com aqueles mais dispostos que, em troca de favores do cotidianos, tornariam possíveis as tarefas que nunca precisaram de alguém para serem feitas. "Por gentileza, a senhora poderia me ajudar a subir no ônibus?". "Isto não deveria acontecer", pensava ela enquanto demorava a encontrar as chaves de casa na sacola de feira.

A casa estava como sempre: desarrumada e cheirando a pó. Uma pessoa tão inteligente como ela nunca se habituou a colocar as coisas em ordem, achava tedioso limpar e acordar cedo. Os parentes já eram bem distantes, porque ela nunca precisou de pessoas para lhe dizer coisas óbvias, coisas que sempre reconheceu sozinha.

O que lhe pesava era a idade, as doenças da vista, as dores na cintura, a pressão elevada, a pele suada e, agora, toda cheia de marcas estranhas. Em outros tempos ela achava bonito o seu rosto no espelho: um rosto estranho na cidade onde morava, uma cara de gente branca vinda do leste. A questão não era a beleza e sim a singularidade: "Gente do leste é diferente aqui. Gente com a cara do leste é facilmente reconhecido e sempre causa espanto com a presença do olhar firme, sério".

"Se eu pudesse ter outra cara, poderia ser de alguém que nasce no sul. Não me importaria em nascer outra vez com um jeito mais comum, como alguém que nasce por aqui. Seria mais simples e mais aberta ao diálogo. As pessoas não teriam tanto receio de mim, não pensariam que eu sei coisas de mais e estaria coberta de carinho novamente. Encontraria alguém para amar e divertir as tardes de domingo. Por que é impossível conviver com as fantasia e alegrar-me, por alguns minutos, com as possibilidades, "possibilidades?". A fantasia nunca foi sua amiga fiel, pois, no fim, era a realidade quem a enchia de abraços.

"A velhice não é uma brincadeira, é uma condição humana. Estou aqui por um motivo que não sei explicar. O único problema é saber disso. Se eu pudesse esquecer, passaria pelos próximos 15 minutos de vida sem nem me dar conta".


A professora Eva foi ao salão de beleza e, após pagar a consulta e sair pela porta da frente, nunca mais voltou.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Cinco anos esta manhã

Por cinco anos estive quieto, porque as coisas que eu sempre gostei de falar, os assuntos que sempre me fizeram ver o mundo de uma forma mais mágica, tinham perdido o seu gosto.

Fui só perceber que o sabor da vida estava mais próximo de uma alimentação para doentes quando completei um ano desse longo e destemperado passar. Tentei lutar por muitas vezes, mas acabei sucumbindo e esqueci de tudo que me parecia apaixonante, com exceção da família mais próxima que, neste caso, fiquei até mais apegado.

Os amigos foram os primeiros que tentaram me mostrar o quanto eu estava precisando voltar a tirar os pés do chão e, por tentarem, acabaram se distanciando. Cheguei a ouvir: “coisa ruim atrai coisa ruim”, como se fosse possível eu olhar para dentro e não enxergar um abismo que havia se instalado, como se eu pudesse olhar para dentro e contemplar um campo de flores. Até as flores me traziam o mal-estar, mesmo quando eu estava em paz, pois flores era tudo o que eu via pelo lado de dentro.

Infelizmente não foi um período de choro, foi um secar dos olhos, foi um doer dos olhos. Após fortes dores de cabeça que eram originárias das dores na vista, fui ao médico e comecei a pingar alguns colírios para tratamento de glaucoma. Não era ainda a doença dos que perdem a vista, mas era bem possível que, em um dado momento, eu chegaria nela ou ela chegaria a mim.

Era comum eu me pegar no meio de pessoas que falavam dos seus gostos e do gosto pelas coisas belas ou prodigiosas. Eu pensava: “Eu não sei mais o que gosto, porque se eu precisasse dizer alguma coisa, não teria um assunto”. Não era algo que me pudesse deixar desesperado, era somente algo que eu não conseguiria desenvolver. As pessoas falavam das suas coisas e só o silêncio podia me levar para um estado de conforto, ficava quieto até que algum desavisado acabava me deixando mais quieto.

Hoje entendo o porquê gosto tanto de um ex-colega de trabalho, atualmente um amigo distante, mas amigo! Ele me dizia: “Tá bom! é o que tem pra hoje! vamos comer onde!?”. Nossas conversas sempre foram superficiais, porém nunca vi algo tão profundo, por me deixar silencioso, por dizer: “Tá bom! é o que você tem pra hoje!”. Certa vez ele me chamou para trabalhar em outra empresa, pois eu seria a pessoa ideal, em sua opinião, para resolver os problemas que lá ele não conseguiu: Ficamos um ano inteiro sem nos falar direito, por algo que eu disse e que não continha o sentido que ele havia capturado. Após uma conversa, nos entendemos novamente.

O tempo passou assim: Sem paixões, sem muitos desgostos, sem belas amizades, sem até inspirações musicais: isto sim foi muito estranho. Tomei muito cuidado com o “estragar o outro” e acabei uma pessoa mais gentil e mais generosa. Ser gentil nunca foi muito o meu jeito com as “coisas”, pois eu sempre fui conhecido como alguém de opiniões fortes, no entanto, acolhi as ideias que vinham de fora e as pessoas como elas se apresentavam. Esta foi a única forma que encontrei de me comunicar. Certo dia, intrigado do porquê as pessoas não me amavam, uma amiga me disse: “Você é legal com todos, não dá para saber quando você está interessado em alguém. As pessoas se afastam porque você não demonstra aquele sentimento de gostar exclusivo”: Ser gentil também tinham lá as suas dificuldades!

O ano de 2013 passou e em seu final eu tive uma vontade forte de chorar. Não chorei, mas fiquei acordado por quase 3 dias. Desesperado, tomei remédios para dores musculares e apaguei. Os dias foram passando e eu me sentia apaixonado por algo que não tinha ideia do que era e, até agora, eu não sei. O que sei é que você foi embora há cinco anos, pai, e eu, sem saber o que fazer, fui com você! Saí de mim para ficar enterrado estes longos 5 anos!


A saudade me deixou mais forte, assim como hoje estou, mas lembrar de você precisará, daqui para frente, me trazer a paixão das coisas que ainda estão por vir. Verei!

domingo, 23 de março de 2014

Conheço gente gente egoísta, que te deixa falar metade da frase, porque você não pode ser tão quieto assim, porém, quando tomam a voz, quando grosseiramente te interrompem, com habilidade, transformam o que você nem acabou de dizer, sem as suas ponderações, sem as devidas ressalvas, em pobreza de conhecimento, em falha, em coisa desinteressante.

Essa gente gosta de história em quadrinhos e conversa contigo como se você fosse obrigado a conhecer todos os super heróis que, por princípio, você não quer nem ouvir falar, porque fantasia é bom somente para quem as fantasiam. Te atacam e te fazem anti-herói, porque você faz parte de uma fantasia onde tudo deve respeitar um script ordenado pelo Bem e pelo Mau.

As vezes te perguntam algo como “Quem te disse isso!!!?”, expressando o maior desprezo com a sua capacidade de chegar em um raciocínio relativamente simples, porém que requer uma certa sensibilidade, um certo contexto, uma certa vontade de concluir algo que só os geniais teriam direito de conseguir.
Essa gente tem uma certa covardia, um certo medo de que você traga conhecimentos e dados que façam com que o “seu jogo interno” seja ameaçado e que tudo pare de fazem sentido. Dizem: “Isto não faz sentido” como se você tivesse dentro da cabeça deles procurando fazer sentido, como se você pudesse escrever em duas ou três fases, uma tese de doutorado.

Quando você “conversa" com pessoas assim, você tenta sempre dizer uma frase coesa, única em sentido, sem intenção de se pronunciar “definindo o universo”, porque você nem mesmo consegue dizer metade de uma frase. As coisas ficam mais com cara de duas sílabas, ou com frases que não terminam a linha de um caderno de criança.

Casam-se porque gostam de mulher, porque gostar de mulher os tornam mais bem aceitos por todos. Odeiam a sogra, pois "ela não gosta de homens”. Estranhamente entendem o gosto das pessoas como se fosse normal gostar de algo bom ou odiar algo ruim. Quando brigam com a esposa, ficam tristes e precisam se redimir com os “amigos”: Silenciam até tudo volta ao lugar de origem, ofendem, menosprezam e te fazem menos inteligente, no mundo deles, claro.

Gostam de Ciências Naturais e, por isso, tudo precisa de um crivo onde os fulanos pós-doutores em Harvard já haviam escrito há, pelo menos, algumas décadas, num artigo publicado na revista da área que atuam. Esquecem-se que ciência se faz todos os dias e que todas as pessoas que escreverem alguma coisa há décadas já a rescreveram com outras interpretações e até obtiveram outros resultados.
Gostam de matemática também, mas só estudam mesmo, pois desenvolver um trabalho acadêmico não traz dinheiro para pagar as contas, porque as contas são: "a razão da vida". Ouvi coisas como estas algumas vezes em um curto período de tempo.

Não vou dizer sobre as opiniões que rodeiam a ideia que fazem das religiões, porque não tem graça mesmo. Não sou religioso, mas tem gente que consegue criar uma “Igreja Mundial da não Presença de Deus”. Paradoxo, penso eu!

Gente assim também tem o meu respeito, mas não tem o meu coração, pelo menos quando penso em coisas que a vida nos dá e que podemos lidar com dignidade, que sejam boas ou ruins, mas com dignidade.
Gente que sofre com a presença de gente assim, gente que vive em uma bolha cada vez menor, gente que se desfaz das lembranças, gente que escreve por não conseguir mais: falar uma frase pela metade.