"Mais 15 minutos de vida", a senhora esvaziou os pulmões e pensou. "Se eu tivesse mais 15 minutos de vida, continuaria apenas respirando, pesadamente respirando". Mirou o vidro da porta do trem e pensou enxergar outra pessoa, pensou ser uma brincadeira, um sonho daqueles que há muito tempo não mais tinha o costume de lembrar. "A velhice é uma brincadeira de gosto amargo".
"A sorte é não ter alguém que me cuide. Todos já se foram há muitos anos e ficou só eu, sozinha e mais frágil". Ela sentia um pesar no estômago quando se imaginava gentil com aqueles mais dispostos que, em troca de favores do cotidianos, tornariam possíveis as tarefas que nunca precisaram de alguém para serem feitas. "Por gentileza, a senhora poderia me ajudar a subir no ônibus?". "Isto não deveria acontecer", pensava ela enquanto demorava a encontrar as chaves de casa na sacola de feira.
A casa estava como sempre: desarrumada e cheirando a pó. Uma pessoa tão inteligente como ela nunca se habituou a colocar as coisas em ordem, achava tedioso limpar e acordar cedo. Os parentes já eram bem distantes, porque ela nunca precisou de pessoas para lhe dizer coisas óbvias, coisas que sempre reconheceu sozinha.
O que lhe pesava era a idade, as doenças da vista, as dores na cintura, a pressão elevada, a pele suada e, agora, toda cheia de marcas estranhas. Em outros tempos ela achava bonito o seu rosto no espelho: um rosto estranho na cidade onde morava, uma cara de gente branca vinda do leste. A questão não era a beleza e sim a singularidade: "Gente do leste é diferente aqui. Gente com a cara do leste é facilmente reconhecido e sempre causa espanto com a presença do olhar firme, sério".
"Se eu pudesse ter outra cara, poderia ser de alguém que nasce no sul. Não me importaria em nascer outra vez com um jeito mais comum, como alguém que nasce por aqui. Seria mais simples e mais aberta ao diálogo. As pessoas não teriam tanto receio de mim, não pensariam que eu sei coisas de mais e estaria coberta de carinho novamente. Encontraria alguém para amar e divertir as tardes de domingo. Por que é impossível conviver com as fantasia e alegrar-me, por alguns minutos, com as possibilidades, "possibilidades?". A fantasia nunca foi sua amiga fiel, pois, no fim, era a realidade quem a enchia de abraços.
"A velhice não é uma brincadeira, é uma condição humana. Estou aqui por um motivo que não sei explicar. O único problema é saber disso. Se eu pudesse esquecer, passaria pelos próximos 15 minutos de vida sem nem me dar conta".
A professora Eva foi ao salão de beleza e, após pagar a consulta e sair pela porta da frente, nunca mais voltou.